Um dia depois de uma chuva intensa e inesperada causar caos e estragos severos em Florianópolis e na região metropolitana, moradores se dedicaram, nesta sexta-feira, à difícil tarefa de contabilizar os prejuízos e limpar os rastros deixados pela tempestade. Durante a madrugada e nas primeiras horas da manhã, a chuva persistiu, começando a dar trégua apenas próximo do meio-dia.
Por toda a capital catarinense, a paisagem lembrava um cenário de pós-guerra, com carros abandonados em canteiros centrais, buracos, árvores tombadas e ruas ainda alagadas e tomadas por uma água barrenta.
Segundo a Epagri/Ciram, Florianópolis registrou um acumulado de 344 milímetros de chuva entre a madrugada de quinta-feira e a manhã de sexta-feira, ultrapassando em poucas horas a média esperada para todo o mês de janeiro.
Santo Antônio de Lisboa registrou o maior volume de precipitação. No Caminho dos Açores, uma enorme cratera se abriu, engolindo o carro do morador Edmilson Antônio Dias, 74 anos, que mora praticamente em frente.
Ele conta que estava em casa, sem energia, quando decidiu sair para comprar um isqueiro e, logo ao sair, a rua começou a ceder. “Foi de repente. Acredito que tive até um pouco de controle, porque não me joguei na água. Estou machucado, emocionalmente abalado e com danos materiais”, ressalta.
A comerciante e moradora do mesmo bairro, Luciana de Mello, 45, destacou que, apesar de não ter tido danos em casa, os vizinhos não tiveram a mesma sorte.
Luciana de Mello se solidarizou com vizinhos que tiveram casa invadida pela água – Foto: Germano Rorato/ND
“Duas casas na frente do meu negócio sofreram com uma enxurrada, com a água batendo na cintura. Há muitos relatos difíceis de pessoas que perderam tudo. Seis anos que moramos aqui, e vizinhos que moram a vida inteira, e nunca haviam visto dessa forma, com tanta intensidade”, conta.
Moradores do Monte Verde contabilizam perdas
No bairro Monte Verde, os estragos foram incontáveis. Diversas famílias tentavam remover a lama que invadiu ruas e residências. Móveis destruídos se acumulavam em frente às casas e condomínios.
A aposentada Elenir Faria, 69, que mora nos andares mais altos de um condomínio em frente à rodovia Virgílio Várzea, estava no terraço ajudando os vizinhos a contabilizar as perdas. “Os vizinhos de baixo perderam tudo. Até o portão, que era pesado, foi arrancado. Foi muita água e muito forte também, foi terrível”, relembra.
Na rua Príncipe, próxima ao rio Vadik, os danos foram severos. A moradora Ariana Cândido, 39, contou como a água invadiu sua casa repentinamente.
Ariana Cândido não teve tempo de levantar os móveis antes de a água entrar – Foto: Germano Rorato/ND
“Foi tudo muito rápido. O rio estava cheio, apesar de não ser muito, lá por volta das 14h. Quando deu aquela baita pancada d’água, ele subiu. Não tivemos tempo de levantar quase nada. O que conseguimos, foi em cima da cadeira, mas muita coisa se perdeu. Temos uma porta de contenção de 1,10 m de altura, e a água passou por cima dela.”
A casa da mãe de Ariana, na mesma rua, foi ainda mais atingida. O irmão André Cândido, 49, nesta sexta-feira ajudava na limpeza e falou dos prejuízos. “A mãe perdeu todos os móveis, armários, sofá. Ela tem 73 anos, com mobilidade reduzida, e a sorte foi que a vizinha de cima a tirou de casa e ficou com ela até chegarmos.”
André Cândido ajudou na limpeza da casa da mãe, que tem 73 anos e mobilidade reduzida – Foto: Germano Rorato/ND
Questionado sobre alagamentos na região, André confirmou que são comuns, mas nunca com tamanha intensidade. “No ano de 1995/1996, houve um alagamento muito grande, com água batendo bem acima da cintura. O nível da água dessa vez não subiu tanto quanto naquela vez. Bateu no meu joelho, mas foi uma água muito mais violenta, com correnteza.”
No Saco Grande, comerciantes começaram a reconstruir suas atividades em meio aos estragos. Uma farmácia localizada na SC-401 precisou fechar as portas após perder os produtos das duas prateleiras inferiores, que ficaram submersas.
Em São José, sexta-feira foi de limpeza nos comércios e casas
Hélio Bernardes deixou o comércio fechado para conseguir focar na limpeza – Foto: GERMANO RORATO
Em São José, na Grande Florianópolis, o bairro Campinas foi um dos mais impactados. No entroncamento das ruas Quinze de Novembro e Vereador Mário Coelho Pires, a água chegava quase ao joelho em alguns pontos, na manhã de sexta-feira.
O comerciante Leandro Copetti, 47, conta que alagamentos na região não são raros, “mas nunca com essa intensidade”. “Em 24 anos que temos comércio nessa região, nunca vimos algo assim. Desta vez, a água subiu e invadiu a loja. Em algumas lojas, o nível passou de um metro.”
Na avenida Josué di Bernardi, onde passa o rio Araújo, a pista estava interditada. Alguns motoristas arriscaram atravessar, mas ficaram com os carros imobilizados.
O comerciante Hélio Bernades, 60, que tem uma loja próxima ao rio, optou por não abrir o estabelecimento nesta sexta-feira e focou na limpeza. “Fazia bastante tempo que não acontecia de alagar. A chuva nos pegou de surpresa. Alagou duas vezes, na quinta-feira, quando ficou quase tudo limpo, e hoje, nesta sexta, quando subiu uma água suja e ficou assim.”
Já no comércio ao lado, Edson Francisco, 52, retirava o excesso de água de sua barbearia. Apesar de tentar proteger os móveis, não conseguiu evitar os danos. “Foi rápido demais. Foi a enchente mais alta que deu. Eu passei a noite acordado.”
Edson Francisco ainda retirava o excesso de água que entrou na barbearia, em São José – Foto: Germano Rorato/ND