A lei que dispensa licença ambiental para obras emergenciais da Defesa Civil em rios pode colocar em risco áreas de APP (Áreas de Preservação Permanente) em Santa Catarina, alertaram especialistas. A legislação foi sancionada pelo governador Jorginho Mello (PL) em 7 de janeiro.
Obras da Defesa Civil não vão precisar de licença ambiental – Foto: Divulgação/Governo SC/ND
Segundo a redação final da lei nº 554/2024, a legislação que dispensa a licença ambiental vale para obras de prevenção, mitigação e resposta em rios em casos de desastres naturais. As obras permitidas devem se encaixar nos critérios de “limpeza, desassoreamento, dragagem dos rios e afins”.
“A nova legislação visa não só melhorar a capacidade de resposta rápida da Defesa Civil, mas também garantir que a população esteja protegida de possíveis desastres naturais. As intervenções nas áreas fluviais são essenciais para mitigar os riscos e evitar a perda de vidas e bens”, afirma o Secretário da Proteção e Defesa Civil, Fabiano de Souza.
Conforme Andressa Santos, pesquisadora e bióloga com experiência em licenciamento ambiental, a desburocratização ocorre em função da falta de planejamento de cidades para desastres naturais.
“Estamos numa região que cresce sem um planejamento. Então, frente a um evento climático, por exemplo, tem que se atuar de maneira emergencial. Por isso é preciso cada vez mais se pensar em prevenção, ações que antecedem a atuação emergencial”, conta a bióloga.
Conforme o advogado Alexandre Burmann, professor especialista direito ambiental, a legislação federal e estadual vigentes antes da nova lei preveem que em situações de calamidade pública, como desastres climáticos, exista a dispensa ambiental.
“Já existe uma certa tendência de se dispensar ou se liberar o licenciamento ambiental, quando a situação é de calamidade ou quando é uma situação emergencial.”
Por que nova lei coloca áreas de preservação ambiental em risco?
Para fazer uma limpeza, desassoreamento, dragagem de rios e afins é preciso acessar áreas de preservação permanente – Foto: Leo Munhoz/ND
No Brasil, as margens de todos os cursos d’água são consideradas áreas de APP, conforme o código florestal federal (Lei 12.651/2012). Andressa explica como as exigências da lei federal se cruzam com as obras listadas pela Defesa Civil na nova lei que dispensa a licença ambiental.
“Para fazer uma limpeza, desassoreamento, dragagem de rios e afins você precisa acessar áreas de preservação permanente, que geralmente configuram um recuo de 30 metros, 15 metros em área urbana contando a partir da margem do curso hídrico. Essas áreas são protegidas pelo Código Florestal Brasileiro e elas são protegidas por algumas razões, como a prevenção de desastres ambientais”, ressaltou a bióloga.
A advogada ambiental Amanda Seorra Coatti pontua as consequências de uma obra caso cuidados ambientais sejam dispensados.
“Em casos de dispensa indevida, inúmeros corpos d’água são poluídos e sofrem assoreamento, geram frequentes infiltrações e contaminações do lençol freático – ou seja, a água que o cidadão comum bebe – decorrentes de obras que passam por um remanejamento argumentativo, apenas para serem encaixadas como capazes de serem executadas sem licenciamento ambiental”, alerta.
A nova lei busca dispensar a licença ambiental no caso de emergências provocadas por desastres naturais – Foto: Bruno Oliveira/PMF/Divulgação
Burmann explica que a própria característica emergencial da obra prejudica os cuidados ambientais e, caso não acompanhado por um profissional que tenha esse cuidado, pode resolver o problema imediato para criar um a longo prazo.
“Quando a gente está numa situação de calamidade, numa emergência climática, por exemplo, a resolução de um problema de forma imediata pode solucionar aquela situação, mas pode gerar um problema maior no futuro, um problema ambiental que não estava planejado.”
De acordo com Sheila Meirelles, presidente do IMA (Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina), mesmo com a dispensa da licença ambiental, a Defesa Civil precisa compor uma equipe multidisciplinar, com um profissional do meio ambiente que ajude a evitar riscos para área de preservação.
“Os riscos são relativos, se é uma obra emergencial existe a necessidade do acompanhamento de um profissional habilitado e ele irá mitigar os possíveis riscos que possa existir nos trabalhos que serão realizados”, afirma.
“Devem ter profissionais da área do meio ambiente acompanhando os trabalhos para evitar que não existam danos ao meio ambiente. Mesmo sem licença, o dano deve ser evitado”, complementa a presidente do IMA.
Áreas de Preservação Permanente têm papel fundamental na prevenção de desastres naturais
Defesa Civil lista cuidados que irá tomar para realizar obras emergenciais sem licença ambiental – Foto: Eduardo Cristofoli/ND
A nova lei busca dispensar a licença ambiental justamente no caso de emergências provocadas por desastres naturais. No entanto, a presidente do IMA explica que as Áreas de Preservação Permanente possuem importante papel na prevenção destes desastres.
“Ela protege as margens dos cursos d’água, evita a erosão e com isso evita o assoreamento e protege a faixa marginal para que o curso d’água possa suportar as fortes chuvas quando elas acontecem. É uma proteção natural que o curso d’água recebe através da vegetação que o margeia, chamada de vegetação ciliar”, explica Sheila.
Defesa Civil lista cuidados que irá tomar para realizar obras emergenciais sem licença ambiental
Em nota, a Defesa Civil listou as medidas que irá tomar para preservação mesmo com a dispensa da licença ambiental.
Monitoramento Ambiental: Diretrizes ambientais são implementadas para acompanhar três áreas principais: meio físico (solo, água e ar), meio biótico (flora e fauna) e meio socioambiental (impactos na comunidade).
Equipe Especializada: Profissionais especializados são contratados para realizar o monitoramento de cada uma dessas áreas, garantindo que as ações sejam conduzidas de acordo com as melhores práticas ambientais.
Relatórios Técnicos Regulares: São elaborados relatórios periódicos que avaliam e registram a conformidade ambiental em todas as etapas da obra.
Mitigação de Impactos: Sempre que identificado algum impacto potencial ao meio ambiente, medidas de mitigação são adotadas para reduzir ou neutralizar os efeitos adversos. Esses cuidados têm como objetivo assegurar que a intervenção, mesmo em caráter emergencial, seja realizada de forma responsável e sustentável, minimizando impactos ao meio ambiente e protegendo os recursos naturais ao longo do processo.
Lei permite que empresas responsáveis por obras da Defesa Civil aproveitem material de rios
Material retirado do rio durante a obra pode ser usado como forma de pagamento – Foto: Gabriela Szenckuk NDTV
A lei que dispensa a licença ambiental permite que as empresas contratadas para realizar as obras utilizem o material retirado do rio durante a obra como forma de pagamento.
Segundo a Defesa Civil, pode ser o caso em obras de limpeza e dragagem desde que o tipo de pagamento esteja previsto no contrato e tenha sua viabilidade técnica e econômica avaliada.
O material retirado dos rios será analisado e separado adequadamente, com sedimentos em boas condições podendo ser utilizados como pagamento pelos serviços realizados. Já os sedimentos inadequados deverão ser descartados em locais específicos, chamados “bota-fora”.