As discussões sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade que discute os impactos das apostas online das “bets” no Brasil devem ocorrer ainda no primeiro semestre de 2025, como afirmou o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), em novembro do ano passado.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com ação no STF, também em novembro, contra as normas que permitem as bets e outras casas de apostas virtuais no Brasil. O assunto deve voltar à pauta do STF em breve, para determinar a constitucionalidade das normas já em vigor.
Aplicação de novas regras
Luiz Fux afirmou que poderia adotar algumas providências jurídicas para proteção da população brasileira mais vulnerável. “Os problemas que foram aqui aventados, relativos às comunidades carentes, aos problemas mentais e aos outros graves problemas que foram destacados, leva-nos à ideia de que este julgamento tem que ser urgente”, afirmou o ministro.
Dois dias depois, em 13 de novembro, Fux determinou a suspensão, em todo o território nacional, de qualquer publicidade de jogos de apostas online de cota fixa (bets) para crianças e adolescentes. Decidiu também que fossem tomadas medidas que restrinjam o uso de recursos de programas assistenciais para apostas online.
Uso de programas sociais
Em outubro, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, já tinha afirmado que o cartão do Bolsa Família não poderia ser usado como meio de pagamento nos sistemas online das Bets. As medidas foram tomadas após um levantamento do Banco Central, divulgado em setembro, apontar que os brasileiros gastaram cerca de R$ 20 bilhões por mês em apostas online nos primeiros oito meses de 2024.
Segundo o estudo, cerca de 24 milhões de pessoas fizeram ao menos um Pix para as bets no mesmo período, e uma parte considerável estava entre os beneficiários do programa social.
Ação movida pela PGR
Com base na discussão, a Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com ação no STF contra a “Lei das Bets”. De acordo com a PGR, as normas não prevêem mecanismos suficientes para proteger direitos fundamentais, bens e valores previstos na Constituição Federal.
Por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Procuradoria questiona as leis que instituíram a modalidade, mas que, segundo a PGR, não regulamentaram a aposta virtual.
Ao pedir a suspensão da eficácia dos dispositivos questionados, o procurador-geral, Paulo Gonet, sustenta que as leis ferem direitos sociais à saúde e à alimentação, direitos do consumidor, de propriedade, da criança e do adolescente, do idoso e da pessoa com deficiência.
Em entrevista ao Portal iG, o sócio do escritório Jantalia Advogados e especialista em Direito de Jogos e Apostas, Filipe Senna, contou que junto à “Lei das Bets”, foram editadas várias portarias pelo Ministério da Fazenda na Secretaria de Prêmios e Apostas que tratam de regras específicas para o setor.
“Diante do julgamento desse pedido por parte da PGR, o STF pode entender que a ‘Lei das Bets’ é constitucional e continua a valer. E, por outro lado, pode entender que a norma é inconstitucional e, assim, ela deixa de ter validade no Brasil”, explicou.
Segundo ele, nesse caso, a regulamentação construída ao longo de 2024, com uma atuação muito forte do Ministério da Fazenda, da Receita Federal, do Banco Central, em prol da estruturação desse setor, seriam todas descartadas.
Aprovação da Lei das Bets
Apesar de desde 2018 as apostas de quota fixa de eventos esportivos serem legalizadas no Brasil (Lei 13.756/18), as discussões sobre a regulamentação da atividade ganharam força nos últimos anos muito por conta dos valores perdidos pelos brasileiros.
Em 2023, após o governo federal enviar uma medida provisória ao Congresso para aprimorar a lei de 2018, junto a outro projeto de lei que já estava em tramitação, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal incluíram entre as apostas de quota fixa legalizadas os jogos on-line. Com a aprovação, foi sancionada pelo presidente Lula a “Lei das Bets” (Lei 14.790/23).
Segundo Filipe Senna, o principal argumento da PGR é que o setor não está suficientemente regulamentado e possui “uma prática agressiva de marketing e captação da população para apostar”. Para ele, o Brasil estruturou ao longo de 2024 um arcabouço regulatório e de regulamentação das apostas que se enquadram as bets “muito robusta e atrelada a padrões internacionais de qualidade na prestação desse serviço”. “Então, pode ser que os argumentos apresentados pela PGR não procedam”, afirmou.
O advogado explica que a norma trouxe a regulamentação do setor de apostas esportivas e de jogos online para o Brasil. Pela “Lei das Bets”, as empresas que querem explorar essa atividade no país devem obter uma licença junto ao governo federal e, nesse sentido, ter também uma sede no Brasil.
“Com isso, as empresas têm uma representação nacional e é mais fácil e mais viável que o poder público faça a fiscalização para que esses jogos sejam honestos, transparentes, confiáveis e seguros, bem como garante direitos ao consumidor, apostador, promove regras em relação a julgo responsável, que é garantir uma relação saudável entre o apostador e a plataforma, e por fim, tributar essa atividade para também aumentar a arrecadação do Estado”, explicou Senna.
Ações que podem ser tomadas pelo STF
O especialista em Direito de Jogos e Apostas conta que a atual regulamentação do setor permite a fiscalização das regras regulatórias e mantém o setor operando da forma com que o governo, o poder público e a sociedade esperam.
“A lei está muito adequada, a regulamentação também está adequada, agora é necessário que haja uma observação prática dos efeitos e do comportamento de mercado em relação a essa norma”.
Para ele, o debate que permanece no Supremo acaba gerando insegurança jurídica, tanto para os operadores, que podem ter algum temor de que a atividade seja proibida após investirem milhões, quanto para os consumidores, que não sabem até que ponto as relações de consumo e a prestação de serviço estão amparadas por lei.
O advogado analisa que o julgamento no STF acaba trazendo só prejuízos à sociedade nesse momento. “A questão da constitucionalidade ou não da ‘Lei de Bets’ no Brasil acaba sendo um pedido com fundamentos que já não mais se aplicam à realidade brasileira, que já estão sendo devidamente tratados por uma legislação e uma regulamentação específicas e muito bem estruturadas a partir de experiências de outros países, adequadas aos valores culturais e sociais brasileiros”, frisa Filipe.