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Trump disse que seu governo está estudando a oferta de Bukele, mas especialistas questionam se é legalmente possível enviar americanos para cumprir penas no exterior. Bukele prenderia os criminosos americanos na enorme prisão que ele mandou construir
Secretaria de Imprensa da Presidência de El Salvador
O presidente dos EUA, Donald Trump, gostou da ideia apresentada pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele, de prender criminosos americanos no seu país em troca de dinheiro.
Trump confirmou que o seu governo está estudando a possibilidade de enviar os condenados nos “casos mais graves” para cumprir pena de prisão no exterior, depois de Bukele ter oferecido seu país para receber tanto imigrantes irregulares que Trump quer deportar, quanto condenados, incluindo cidadãos americanos.
A oferta de Bukele foi feita durante uma visita do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, ao país na segunda-feira (3), que descreveu a proposta como “um acordo sem precedentes, o mais extraordinário do mundo”.
Mas enviar cidadãos americanos para cumprir pena fora dos EUA levanta questões legais, como o próprio Trump reconheceu implicitamente.
“Só estou dizendo que se tivermos o direito de fazer isso, eu faria num piscar de olhos”, declarou o presidente, antes de admitir: “Não sei se temos ou não; estamos analisando isso agora, mas poderíamos chegar a acordos para tirar esses animais dos Estados Unidos”.
Durante a visita de Rubio a El Salvador, ficou claro que o governo Trump recebeu bem a oferta. “Podemos enviá-los, e eles os colocam nas prisões”, disse Rubio com satisfação, referindo-se aos imigrantes ilegais.
Mas a surpresa veio quando Rubio explicou que Bukele “também se ofereceu para fazer o mesmo com criminosos perigosos atualmente sob custódia e cumprindo pena nos Estados Unidos, mesmo que sejam cidadãos americanos ou residentes legais”.
O presidente salvadorenho confirmou que havia “oferecido aos Estados Unidos da América a oportunidade de terceirizar parte do seu sistema penitenciário”.
Ele esclareceu que El Salvador estaria “disposto a receber apenas criminosos condenados” — e que seu governo faria isso “em troca de uma taxa”.
Bukele também revelou onde abrigaria os deportados dos EUA: “na nossa megaprisão”.
A megaprisão, também conhecida como Cecot (abreviação para Centro de Confinamento do Terrorismo), se tornou um ícone da política linha dura de Bukele de combate à criminalidade.
A prisão de segurança máxima, uma das maiores da América Latina, foi inaugurada em janeiro de 2023 — e pode abrigar 40 mil detentos, de acordo com dados do governo.
Os presos são confinados em celas sem janelas, dormem em beliches de metal e são constantemente monitorados por guardas armados.
A jornalista Leire Ventas, da BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, que teve permissão para fazer uma visita oficial às instalações no ano passado, depois de a BBC ter pedido acesso repetidamente, contou como as temperaturas nas celas chegavam a 35ºC.
O acesso à prisão é bastante restrito, e jornalistas são permitidos apenas durante visitas oficiais ocasionais e cuidadosamente coreografadas pelas autoridades.
O número de detentos por cela não é claro. Alguns grupos de direitos humanos estimam em 80 prisioneiros, enquanto outros dizem que pode chegar a mais de 150.
Quando nossa jornalista perguntou qual era a capacidade máxima, o diretor da prisão respondeu: “Onde cabem 10 pessoas, cabem 20”.
Os prisioneiros ficam trancados dentro das celas 24 horas por dia — exceto por 30 minutos, em que podem sair para fazer exercícios em grupo em um corredor sem janelas.
O layout da prisão não é por acaso.
Após um fim de semana particularmente sangrento em 2022, quando mais de 70 pessoas foram mortas nas ruas de El Salvador, Bukele escreveu nas redes sociais: “Mensagem para as gangues: por causa das suas ações, seus ‘amiguinhos’ não vão poder ver um raio de Sol”.
A construção da megaprisão começou pouco tempo depois.
As condições da instalação e o tratamento oferecido aos presos foram alvo de duras críticas por parte de grupos de direitos humanos.
Miguel Sarre, ex-membro do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, descreveu o local como um “fosso de concreto e aço”.
Mas, afinal, será que o governo Trump poderia enviar cidadãos americanos para lá?
Proteções legais
No entanto, qualquer tentativa de deportar cidadãos americanos ou pessoas que residem legalmente nos EUA para uma prisão estrangeira está fadada a enfrentar desafios legais.
Os cidadãos americanos que nasceram nos Estados Unidos têm proteção legal contra a deportação.
Há alguns casos, no entanto, em que os cidadãos naturalizados — aqueles que não nasceram nos EUA e que obtiveram a cidadania americana após o nascimento por meio de um processo legal — podem ter sua cidadania revogada.
Isso costuma acontecer quando a pessoa em questão cometeu fraude para obter a cidadania.
Alex Cuic, advogado de imigração e professor da Universidade Case Western Reserve , em Ohio, disse à BBC que os cidadãos americanos naturalizados suspeitos de vínculos com gangues criminosas ou organizações classificadas como terroristas pelo governo dos EUA — como a gangue Tren de Aragua ou a Mara Salvatrucha, conhecida como MS-13 —, também poderiam, em teoria, perder a cidadania americana.
“Se eles descobrirem que você é membro de qualquer grupo que perseguiu ou ameaçou perseguir outras pessoas, eles podem tentar te desnaturalizar”, acrescentou.
“Portanto, se você teve vínculos com gangues e nunca revelou, eles podem usar isso como motivo para te desnaturalizar.”
“A cidadania não é algo definitivo, para todo o sempre, se você for naturalizado”, ele adverte.
Uma vez que uma pessoa tenha sido “desnaturalizada”, ela corre o risco de ser deportada.
Mas, segundo Cuic, qualquer medida deste tipo teria que ser precedida de um “processo judicial formal” conduzido por um tribunal federal.
Ele enfatizou, no entanto, que “nunca havia ouvido falar” de casos de cidadãos americanos nascidos no país que tenham sido enviados ao exterior para cumprir pena de prisão por crimes cometidos e julgados nos EUA.
Shev Dalal-Dheini, diretora de relações governamentais da Associação Americana de Advogados de Imigração, também disse que “nunca havia ouvido falar de tal sugestão”.
Embora reconheça que há vários cenários em que cidadãos americanos naturalizados podem perder sua cidadania, ela disse que “não se pode desnaturalizar um cidadão nascido nos EUA”.
A situação dos residentes permanentes legais nos EUA, no entanto, é mais precária do que a dos cidadãos americanos.
Eles podem ser deportados se violarem determinadas disposições da Lei de Imigração e Nacionalidade, que incluem cometer delitos relacionados a drogas, crimes violentos ou crimes como roubo, fraude ou agressão.
Assim como os cidadãos naturalizados, eles também podem ser deportados se obtiveram sua residência por meio de fraude.
Os residentes permanentes legais que estiverem envolvidos em terrorismo, espionagem ou qualquer atividade que ameace o interesse nacional dos EUA também podem ser deportados.
Este último ponto é importante à luz da ordem executiva emitida por Trump no dia da posse, na qual ele designou os cartéis de drogas como “organizações terroristas estrangeiras”.
Duas organizações criminosas citadas na ordem executiva, Tren de Aragua e MS-13, também foram mencionadas na semana passada pelo enviado especial de Trump para a América Latina, Mauricio Claver-Carone.
Em entrevista sobre a viagem de Marco Rubio a El Salvador, Claver-Carone não apenas elogiou a forma como Bukele lidou com a MS-13 — uma gangue profundamente enraizada em El Salvador, e que há muito tempo aterroriza seus cidadãos —, como também disse que Bukele poderia oferecer a resposta sobre como lidar com a gangue venezuelana Tren de Aragua.
Claver-Carone também sugeriu que a mera perspectiva de ser enviado para uma prisão salvadorenha poderia levar os membros das gangues venezuelanas de volta à sua terra natal.
“Aposto que eles vão querer voltar para a Venezuela, em vez de lidar com as prisões da Mara em El Salvador”, disse ele sobre os membros do Tren de Aragua.
Rubio também pareceu enfatizar que o governo Trump queria enviar, antes de tudo, os membros destas duas conhecidas gangues para as prisões de El Salvador.
“Para qualquer imigrante ilegítimo e imigrante ilegal nos Estados Unidos que seja um criminoso perigoso — MS-13, Tren de Aragua, o que quer que seja —, ele ofereceu suas prisões”, disse Rubio após se reunir com Bukele.
Mas não está claro quem — se é que alguém — vai ser enviado dos EUA para a megaprisão de El Salvador.
O que é certo é que, com sua “oferta de amizade sem precedentes”, Bukele caiu fortemente nas graças de Trump em um momento em que as relações entre os EUA e seus vizinhos foram abaladas pelas ameaças do presidente americano de impor tarifas sobre seus produtos.
Com informações adicionais de Bernd Debusmann Jr. em Washington DC.