Imigrante que morreu após passar mal no Aeroporto de SP tentou pedir ajuda e foi enterrado no Brasil sem autorização, diz família


Evans Osei Uso, de 39 anos, fazia parte do grupo que estava retido no Aeroporto Internacional de SP, em Guarulhos, à espera de refúgio. Ele morreu em decorrência de uma infecção generalizada e enfrentou dificuldades para conseguir auxílio. Evans Osei Uso
Arquivo Pessoal
Parentes do imigrante Evans Osei Uso, de 39 anos, que morreu após passar mal enquanto estava retido no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, à espera de refúgio, alegam que ele tentou pedir ajuda e foi enterrado no Brasil sem autorização da família.
Eles cobram Justiça após descobrirem que o corpo de Evans está sepultado no cemitério de Guarulhos .
Ao g1, a prima de Evans, Priscilla Osei Wusu, disse que ele era de Gana e ficou no aeroporto depois que sua entrada no México foi impedida. Evans estava à caminho do México para operar a coluna, informou.
“Não sei o motivo dele não conseguir entrar no México. Até o médico que deveria operá-lo conversou com a imigração do México e pediu que o acompanhassem ao hospital. Nós até pagamos o hotel dele naquela noite. Voltou para São Paulo e ficou retido após pedir refúgio. Ele queria que as autoridades [brasileiras] o mandassem para o hospital”, disse.
Priscila relata que na segunda semana de agosto, ainda retido no aeroporto, Evans passou a encaminhar mensagens ao tio deles informando que estava com muita dor e precisava ir ao hospital urgente.
“Ele estava sofrendo. Ele enviou para meu tio sobre como ele está sofrendo e as autoridades o ignoraram. Foram necessários alguns africanos lá para protestar antes que eles organizassem uma emergência”.
Mensagens enviadas por Evans no dia 11 de agosto, as quais o g1 teve acesso, mostram ele falando da dor e que precisava ir ao hospital urgentemente. Um áudio também enviado por ele mostra que ele reclama de uma dor no peito e de que não entendiam o que ele falava.
Conforme o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a morte foi registrada no dia 13 de agosto no Hospital Geral de Guarulhos. Contudo, a família alega que enterraram o corpo sem avisar a embaixada de Gana e os parentes.
“Como o hospital pode ter enterrado meu primo sem o consentimento da família? (não entendi o trecho). Como puderam fazer isso? Pra nós, isso não é algo trivial, nós temos que prestar uma homenagem aos mortos, é algo muito importante e sério em nossa cultura”.
“Nós precisamos de Justiça para o Evans. Isso é muito triste e nós, como a família dele, não vamos aceitar isso”, ressaltou.
O g1 teve acesso a certidão de óbito de Evans que aponta que ele morreu de infecção generalizada por infecção urinária e que o endereço dele era o Aeroporto de Guarulhos. O cemitério que ele foi enterrado foi o Cemitério Necrópole do Campo Santo.
“Essa é uma situação muito triste para nós. Precisamos de justiça e compensação”, afirma a prima.
O g1 entrou em contato com o Ministério da Justiça, Polícia Federal, Secretaria da Saúde do estado de SP, mas nenhum órgão retornou até a publicação da reportagem.
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Reunião emergencial
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Uma reunião convocada pelo Ministério Público Federal para analisar o caso dos imigrantes retidos no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, foi realizada na semana passada.
A Defensoria Pública da União pediu que seja criada uma sala de situação que monitore o fluxo de entrada e saída do país em tempo real. No encontro, também ficaram definidos os seguintes pontos:
A GRU Airport se comprometeu a buscar modos para assegurar condições, com as companhias aéreas, de garantir acesso à higiene básica e alimentação de todos os migrantes retidos, em medidas que serão acompanhadas pela Defensoria Pública da União e pelo Ministério Público Federal;
O Ministério da Justiça se comprometeu a encaminhar reforço de servidores para atendimento emergencial, tanto nos trabalhos de processamento dos protocolos de refúgio quanto para a segurança no local.
Participaram da reunião representantes de Polícia Federal, Ministério Público Federal, Ministério da Justiça, concessionária GRU Airport, Prefeitura de Guarulhos, Estado de São Paulo, senadora Mara Gabrilli (PSD) e gabinete do deputado Federal Túlio Gadelha (Rede).
Segundo o procurador Guilherme Gopfert, foram chamados vários setores estratégicos que lidam com essa temática para tratar de medidas emergenciais.
“A gente sabe que não é um problema do aeroporto de Guarulhos, é um problema do Brasil, é um problema do estado brasileiro como um todo e, claro, que o estado tem que estar unido nessa hora pra poder enfrentar mais uma vez”, afirmou o procurador Guilherme Gopfert antes do encontro.
“Não devemos deixar normalizar essa situação. Que essa situação de crise humanitária não se perpetue. Esse é o nosso grande receio como Ministério Público Federal, que isso seja muito esporádico e não deixar que vire um novo normal”, ressaltou.
Violação de direitos humanos
565 imigrantes estão retidos no Aeroporto de Guarulhos
A Defensoria Pública da União (DPU) protocolou no dia 16 de agosto um documento com uma série de recomendações após constatar violação de direitos humanos.
O documento foi encaminhado para a Polícia Federal, Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), governo de São Paulo e Prefeitura de Guarulhos após representantes encontrarem imigrantes dormindo no chão, sem agasalhos, além de uma crescente demanda por atendimento de saúde.
Segundo a Polícia Federal, foi registrada a morte de um imigrante de Gana após sofrer infarto no começo do mês de agosto. O homem chegou a ser levado ao Hospital de Guarulhos, mas não resistiu, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
“Nós encontramos pessoas com sintomas gripais, pessoas reclamando de outros problemas de saúde. Muito frio porque muitas delas estão sem cobertor. É inverno em São Paulo. Aeroporto é um lugar frio, sem acesso à alimentação adequada, sem acesso a remédios, com dificuldades de fazer suas higienes diárias, banho, escovar dente. Então, há uma situação massiva de violação aos direitos fundamentais daquelas pessoas ali”, afirmou o defensor público Ed William Fuloni, à TV Globo.
Defensoria Pública da União notifica Anac sobre situação de imigrantes no Aeroporto Internacional de São Paulo
Em junho deste ano, o Jornal Nacional mostrou que um grupo que quase 300 imigrantes aguardavam a autorização para entrar no Brasil, sendo a maioria homem e da Índia.
Contudo, o número aumentou, conforme a Polícia Federal. Agora, são 466 pessoas retidas esperando entrar no país, segundo a Polícia Federal. Somente em agosto foram 765 solicitações – média de 40 solicitações por dia.
A Polícia Federal informou, em nota, que desde o mês de julho vem sendo observado crescimento no fluxo de viajantes que chegam em trânsito internacional, mas que deixam de seguir viagem, não podendo ingressar no Brasil por falta de visto.
Com isso, segundo a PF, terminam por solicitar refúgio visando entrar no Brasil ainda que sem a documentação pertinente.
“Cumpre destacar que de janeiro a julho a Polícia Federal recebeu um total de 5428 solicitações de refúgio, com média diária de 25 solicitações de refúgio recebidas. Contudo, somente no mês agosto já foram 765 solicitações (média diária de 40 solicitações), sendo 261 nos últimos três dias”, afirmou o órgão.
Imigrantes retidos no aeroporto de Guarulhos
Ainda conforme a PF, o órgão está “buscando otimizar processos e atuar em parceria com outras instituições visando maior celeridade e observância dos direitos humanos dos viajantes”.
Em nota, a Prefeitura de Guarulhos disse que o Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante, equipamento municipal instalado no aeroporto, não foi notificado oficialmente sobre a situação, uma vez que essas pessoas estão na área de inadmitidos, de responsabilidade da Polícia Federal.
Já o governo estadual afirmou que acompanha a questão dos refugiados no aeroporto de GRU, que a pasta não foi demandada em relação a oferta de abrigo e está à disposição da Agência da ONU para Refugiados.
Quase 300 imigrantes estão no Aeroporto Internacional de São Paulo esperando autorização de entrada
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