Justiça interroga ex-soldado do Exército para decidir se o leva a júri por atropelar e matar pai e filha que treinavam para São Silvestre


João Victor Aflinis Carvalho responde solto por homicídio ao assumir risco de matar Álvaro e Jéssica Levadinha em 2022 em Guarulhos, Grande SP. MP o acusa de ter bebido, dirigido carro sem CNH e em alta velocidade. Réu alegou na 1ª audiência que dormiu ao volante; veja vídeo. O militar João Victor Aflinis Carvalho foi preso por dirigir sem CNH e atropelar e matar pai e filha: Álvaro e Jéssica Levadinha
Reprodução/TV Globo/PRF/Arquivo pessoal
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A Justiça ouviu nesta quarta-feira (4) duas testemunhas e interrogou um ex-soldado do Exército acusado de dirigir um carro em alta velocidade, sem habilitação e alcoolizado, além de atropelar e matar pai e filha que treinavam para a Corrida de São Silvestre, que ocorre no último dia do ano na capital paulista.
O crime ocorreu em Guarulhos, Grande São Paulo, no feriado de 15 de novembro de 2022. A audiência estava marcada para começar em 22 de maio de 2024 no fórum da cidade. Mas ela foi adiada pela Justiça a pedido da defesa do réu, sob a alegação de que ele estava com conjuntivite.
Essa etapa do processo, chamada de audiência de instrução, serve para a Justiça decidir se há indícios de que o réu cometeu algum crime para ser levado a júri. O julgamento popular ocorre quando alguém é acusado por um crime doloso contra a vida.
João Victor Aflinis Carvalho, atualmente com 21 anos, responde em liberdade ao processo no qual é réu acusado pelo crime de homicídio por dolo eventual, por ter assumido o risco de matar Álvaro Gonçalves Levadinha, de 69 anos, e Jéssica Messias Levadinha, de 31. As vítimas corriam no canteiro central da Rodovia Hélio Smidit, quando foram atingidas pelo Mitsubishi Pajero guiado por ele.
O veículo particular era de um primo, que João pediu emprestado para levar amigos para suas casas depois de eles terem saído de uma festa. Câmeras de segurança gravaram o momento em que Jéssica passa treinando. Em seguida, é possível ver o carro se arrastando pelo gramado, no sentido contrário. As imagens não mostram, mas ele havia acabado de atropelar e matar pai e filha.
O veículo também derrubou dois postes de iluminação, além de um alambrado. Após o atropelamento, João permaneceu no carro, que ficou destruído com o impacto. O local do atropelamento fica próximo à entrada do Terminal 1 do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos.
Segundo a Polícia Civil, Jéssica foi lançada a 50 metros de distância do local da colisão. Álvaro também foi arremessado com o impacto. Um tênis, que seria dele, ficou no gramado (veja foto abaixo).
Tênis de Álvaro Levadinha, que morreu após ser atropelado pelo soldado João Victor Carvalho em Guarulhos, na Grande SP
Walace Lara/TV Globo
Agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que atenderam a ocorrência disseram em seus depoimentos à Justiça que João dirigia sem ter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Segundo os policiais, ele ainda confessou ter tomado bebido alcoólica antes do acidente. Mas que se recusou a fazer o teste do bafômetro. Três horas depois, passou por um médico do Instituto Médico Legal (IML) da Polícia Técnico-Científica que fez um exame clínico, apenas de observação, e não atestou que ele bebeu. À época, ele disse ter dormido ao volante (leia mais abaixo).
Laudos periciais do Instituto de Criminalística (IC) sinalizaram pelo menos três velocidades possíveis para o Mitsubishi no momento em que o veículo atropelou Álvaro e Jéssica: 153,2 km/h; 107,2 km/h; e 74,6 km/h. Em todas elas, João dirigia acima do limite de velocidade para a via, que é de 70 km/h.
Em resumo, o Ministério Público (MP) entende haver indícios suficientes de que João assumiu o risco de matar as vítimas depois de beber, dirigir sem habilitação e em alta velocidade. “Vou pedir a pronúncia do cidadão de novo”, falou o promotor Rodrigo Merli Antunes ao g1.
A pronúncia é o ato da Justiça de levar um réu a julgamento. João foi interrogado pela segunda vez. Na primeira vez, em abril de 2023, ele negou ter bebido e alegou que estava aguardando o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) emitir sua CNH.
Ainda no ano passado, o juiz Rafael Carvalho de Sá Rui pronunciou o acusado para ir a júri popular. Mas como a defesa dele recorreu, alegando que foi prejudicada porque duas testemunhas não foram ouvidas, o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo anulou a pronúncia. E determinou que elas fossem ouvidas nesta quarta juntamente com o réu, que será novamente interrogado por esse motivo.
João chegou a ser preso em flagrante pela polícia, mas depois acabou solto no começo de 2023, por decisão da Justiça. Ele estava detido em um quartel do Exército em Osasco, na região metropolitana.
À época que causou o acidente, João era soldado do Exército em São Paulo, mas não estava a serviço. Depois foi expulso da instituição em razão do crime pelo qual foi acusado na Justiça comum.
“Por causa do ocorrido, foi aberta sindicância” que “culminou com a exclusão a bem da disciplina”, informou nesta semana o Comando Militar do Sudeste (CMSE), por meio de nota, sobre a expulsão de João.
O g1 tenta contato com João e com a sua defesa. Vídeo obtido pelo g1 mostra o que os dois disseram durante a audiência do ano passado (veja acima).
Ex-soldado que atropelou e matou pai e filha diz que dormiu ao volante
O ex-soldado do Exército alegou que o acidente ocorreu por ter dormido ao volante. “Devido ao cansaço, sono, não me recordo. Acabei dormindo ao volante e aconteceu uma tragédia. Acabei atropelando as duas vítimas”, fala João na gravação que está no processo.
O advogado Ronaldo Lacava, que defende João, pediu então ao juiz a mudança do crime para homicídio culposo, sem intenção de matar.
Procurado para comentar o assunto, o advogado Thiago Guedes da Silva, que defende os interesses da família de Álvaro e Jéssica e atua como assistente da acusação feita pelo MP, entende que o caso é de crime doloso. “Ele assumiu o risco de matar. Então é um dolo eventual, não tem nada de culposo aí”, falou Thiago.
Pai e filha eram inseparáveis, segundo amigos das vítimas. Álvaro treinava Jéssica quando eles foram atropelados e mortos. Ela era corredora amadora e competia em algumas provas de rua. Parentes e amigos que estiveram presentes no sepultamento das vítimas pediram justiça e punição a João.
Soldado que matou pai e filha atropelados em Guarulhos é preso
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