Caso Santa Cruz: importância de unir todos contra o bullying

Colégio Santa Cruz é uma das instituições de ensino mais tradicionais da cidade de São PauloReprodução/Colégio Santa Cruz

Recentemente, o Colégio Santa Cruz, localizado na zona oeste de São Paulo, foi palco de um caso de bullying que resultou na suspensão de 32 alunos. A situação gerou ampla repercussão e trouxe à tona discussões sobre a persistência de atitudes discriminatórias em escolas de elite e a necessidade de combater o bullying de forma mais eficaz.

Especialistas apontam que, além de ações internas da escola, é essencial envolver as famílias e o governo no processo de erradicação dessa prática.

Para entender melhor o caso e as medidas necessárias para enfrentar esse tipo de violência, a reportagem do Portal iG conversou com Daniel Cara, professor e pesquisador na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e autor do relatório Ataque às Escolas no Brasil. Ele destacou a importância de uma abordagem pedagógica e comunitária no combate ao bullying.

O que é bullying?

A primeira etapa para enfrentar o bullying é compreendê-lo em sua totalidade. Daniel Cara explica que o bullying, conforme a legislação brasileira, é uma “perseguição sistemática”. Para ele, a tipificação legal é clara e abrangente, incluindo assédio moral e práticas de discriminação, como racismo, misoginia, elitismo e a LGBT+fobia. No caso do Colégio Santa Cruz, o bullying foi por atitudes discriminatórias em um ambiente marcado pelo elitismo.

“O bullying depende de um conteúdo, que no caso das escolas privadas de alto custo como o Santa Cruz, é a discriminação. A perseguição não ocorre de forma aleatória, mas se faz com base em preconceitos com objetivo de marginalizar grupos específicos”, afirmou Cara.

Resposta do Colégio Santa Cruz: suspensão e reflexão

No caso no Santa Cruz, a escola optou por suspender os mais de 30 alunos envolvidos diretamente nas agressões. Porém, os alunos que participavam do grupo de WhatsApp no qual as mensagens foram compartilhadas somavam mais de 100, e muitas pessoas acreditaram que a suspensão não é suficiente.

Questionado, Cara considerou a suspensão necessária, mas acredita na necessidade de um trabalho mais profundo de conscientização dentro da comunidade – tanto escola quanto fora.

“Os alunos precisam ser responsabilizados, e a suspensão serve para transmitir a mensagem de que atitudes como essas não serão toleradas. Porém, a punição sozinha não resolve o problema. É fundamental envolver toda a comunidade escolar nesse processo de reflexão. O objetivo é que todos entendam o impacto do bullying e, mais importante ainda, como ele se insere em um contexto mais amplo de discriminação social”, comenta o especialista.

Importância do trabalho conjunto: escola, família e governo

Embora o Colégio Santa Cruz possua um histórico de ensino pautado em direitos humanos e ética, o caso de bullying reflete um problema maior e não exclusivo daquela instituição. Cara observa como práticas discriminatórias estão em crescimento em escolas privadas de São Paulo, e destaca: o problema não é exclusivo do Brasil. O principal ponto, segundo ele, é a necessidade de um trabalho constante e integrado para transformar o clima escolar e combater os preconceitos que se perpetuam.

“A escola não pode agir isoladamente. A família precisa ser parte desse processo. Os pais precisam ser envolvidos e conscientes das questões que seus filhos enfrentam e replicam no ambiente escolar. A escola deve convocar as famílias para colaborar na busca por soluções, de forma a garantir que os alunos recebam a educação ética que lhes é devida”, explicou Cara.

Responsabilidade de formar cidadãos

Para que o bullying seja de fato combatido, Cara aponta que a escola deve ser vista como um espaço de transformação. Além das medidas punitivas, é fundamental que as instituições de ensino invistam em uma formação contínua voltada para os direitos humanos e a resolução pacífica de conflitos.

“No caso do Santa Cruz e de outras escolas, é necessário reestruturar o currículo para fortalecer a educação para os direitos humanos. Não podemos continuar focando apenas nas avaliações acadêmicas. É preciso investir em valores e atitudes que promovam uma convivência saudável e inclusiva”, afirma o pesquisador.

Além disso, o professor destaca a importância de uma gestão democrática envolvendo alunos, pais e professores na criação de mecanismos para resolver conflitos. Ele acredita que a formação ética e a promoção de um clima escolar saudável são essenciais para reduzir a discriminação e, consequentemente, o bullying. Alguns exemplos dele é formar grupos de pais, grêmios acadêmicos, etc.

Desafios para o futuro

O especialista também aponta que o problema do bullying nas escolas privadas de alto custo, como o Santa Cruz, é reflexo de uma sociedade mais ampla, marcada por preconceitos e desigualdades. O elitismo, presente em muitos desses ambientes educacionais, também contribui para a exclusão e a discriminação de estudantes.

“O bullying focaliza a responsabilidade individual, mas também é um reflexo de um ambiente discriminatório maior. A escola e a família têm um papel crucial, mas é importante que o governo também se envolva, criando políticas públicas efetivas para enfrentar esse problema. A responsabilidade não pode ser apenas da escola ou da família, mas de toda a sociedade”, conclui Daniel Cara.

O caso do Colégio Santa Cruz é apenas mais um capítulo de uma realidade que precisa ser enfrentada de forma colaborativa. A solução para o bullying exige uma mudança cultural, onde a escola, a família e o governo caminhem juntos na construção de um ambiente mais justo, inclusivo e respeitoso para todos os estudantes. 

Em reportagem anterior, o Colégio Santa Cruz mandou ao Portal iG uma nota de esclarecimento Confira clicando aqui. 

Adicionar aos favoritos o Link permanente.