Imagens flagraram na sexta-feira (10) a superlotação da Ilha do Campeche, em Florianópolis, diante de fiscais que estavam no local para controlar o número de visitantes. A cena, no entanto, não é incomum. O desrespeito às regras, combinado com a pouca efetividade da fiscalização, coloca em risco o local — tombado desde 2000 como patrimônio arqueológico, etnográfico e paisagístico brasileiro.
Superlotação ocorreu ainda pela manhã de sexta-feira (10) na Ilha do Campeche- Foto: Valeska Loureiro/ND
Natan Coelho, presidente da Apaas (Associação de Pescadores Artesanais da Praia da Armação), trabalha com o transporte de visitantes para a Ilha do Campeche há 15 anos e relata que, há aproximadamente três anos, o local começou a enfrentar superlotação.
“No inverno, meio de novembro e outubro já passa da cota nos fins de semana. No verão passa da cota todo dia. Eles chegam a carregar 800, 900 passageiros com transporte irregular. De três anos pra cá explodiu o movimento”, alerta o presidente.
O número total de visitantes permitido diariamente na Ilha do Campeche é de 800 pessoas. Em dias de superlotação, o volume chega a dobrar e mais de 1,6 mil pessoas enchem o local em uma disputa por espaço na faixa de areia, banheiro e comida.
“Tem quatro banheiros no restaurante e mais dois banheiros químicos. Eles não dão conta da demanda e muitos vão para o meio do mato. O restaurante também não dá conta”, revela Natan. “São 20 monitores para 800 pessoas, sendo que colocam 1,6 mil na ilha. Eles não conseguem dar jeito. E o lixo, né?”, acrescenta o presidente da Apaas, reforçando que a superlotação é pouco fiscalizada pela prefeitura.
O ‘tesouro’ da Ilha do Campeche
Ilha foi tombada como patrimônio arqueológico, etnográfico e paisagístico em 2000 – Foto: Marco Santiago/Arquivo/ND
As riquezas da Ilha do Campeche estão distribuídas na faixa de areia, nos costões e no interior da ilha. Segundo Andreoara Schmidt, oceanógrafa e parte do Instituto Ilha do Campeche, o local possui espécies de animais que vivem apenas ali e é ponto de parada de outras espécies migratórias, como aves, baleias, lontras e tartarugas.
Ela explicou que a ilha também possui plantas ameaçadas de extinção e áreas de regeneração da Mata Atlântica, bioma desmatado no local nos anos 50, em função da caça de baleia.
“A ilha fala sobre um modo de vida dos antepassados e vem contando uma história sobre como chegamos até hoje”, pontua a oceanógrafa.
Medidas buscam tornar controle de entrada na ilha mais rigoroso para respeitar determinação judicial de preservação do local – Foto: Leonardo Sousa/PMF/Divulgação/ND
“Nós temos oficinas líticas [onde se fabricavam ferramentas e utensílios com pedras], temos as inscrições rupestres que identificam uma forma de comunicação da época. São mais de 160 gravuras registradas dentro dessa área datadas em torno de 5 mil anos atrás. Elas já sofrem impacto por si só por estar numa área marinha”, ressalta Andreoara.
Ela explica que, além do turismo, o local é ponto de estudos arqueológicos e que também recebe ao menos 1,6 mil estudantes de escolas municipais ao longo do ano para conhecer a fauna, flora e história da Ilha do Campeche.
‘Não temos como reverter um dano’, alerta especialista sobre ameaça que superlotação oferece
Sítio arqueológico da Ilha do Campeche corre risco com a superlotação – Foto: Iphan/Reprodução/ND
A oceanógrafa alerta para a ameaça que a superlotação da Ilha do Campeche oferece para o local.
“A superlotação pressiona os sítios arqueológicos, a fauna marinha, as restingas da ilha, porque tem mais pisoteio […] a gente tem o potencial de degradação de vegetação e o aumento considerável de lixo deixado no ambiente de praia”, comenta.
Ela também alerta para problemas que podem ser ocasionados pelo aumento da pressão no sistema hidrossanitário, que não está projetado para 1,8 mil pessoas. “Não tem como estar projetado porque é um ambiente frágil, cheio de sítios arqueológicos. Nós não temos como reverter um dano dentro de um vestígio arqueológico. Existe o risco da perda da identidade cultural para a cidade”.
Novas regras para entrar na Ilha do Campeche
A partir deste sábado (11) será necessário ter um bilhete para entrar na Ilha do Campeche – Foto: Heitor Pergher/Divulgação/ND
Para tentar conter a superlotação, a prefeitura de Florianópolis passa a exigir, a partir deste sábado (11), um bilhete para entrar na Ilha do Campeche. A entrada é gratuita, nas não inclui o transporte até a ilha. A medida tem o objetivo de controlar o número de pessoas que visitam o local diariamente.
A autorização para entrar na Ilha do Campeche é gratuita e será emitida pela página do site da prefeitura. Na página o turista poderá escolher a data da visitação e a forma de deslocamento. A partir das informações, o site vai emitir um bilhete virtual com os dados e um QR Code de acesso.
Com o ingresso, o visitante precisará apresentar um documento de identidade, pois as autorizações são individuais e intransferíveis. O ingresso não inclui o translado até a ilha. O transporte precisa ser contratado separadamente e o valor varia conforme a forma de deslocamento.
O transporte comercial será restrito a embarcações autorizadas e vistoriadas, respeitando o limite diário de 800 visitantes – Foto: Daniel Queiroz/Arquivo/ND
O transporte comercial para acessar a ilha será restrito a embarcações autorizadas e vistoriadas, respeitando o limite diário de 800 visitantes. O acesso à ilha também poderá ser realizado por meios próprios, como caiaques ou embarcações particulares, desde que sejam seguidas as regras estabelecidas para visitação.
O decreto informa que outras empresas autorizadas ao transporte turístico e vistoriadas, mas que não pertencem às associações autorizadas a transportar turistas para ilha podem levar os passageiros com o ingresso individual. Essas empresas se enquadram nas vagas da categoria “outros e próprios”.
O número de visitantes é distribuído pelas opções de deslocamento dos turistas:
Apaas: 409 autorizações diárias;
Acompeche: 60 autorizações diárias;
Barra da Lagoa: 133 autorizações diárias;
ABTC: 72 autorizações diárias e;
Outros e próprios: 120 autorizações diárias.
Superlotação de turistas diante de fiscais é flagrada na Ilha do Campeche
Na última sexta-feira (10), imagens flagraram a desobediência de barqueiros e a superlotação da Ilha do Campeche, em Florianópolis, um dia após o detalhamento das novas regras para a entrada no local.
As equipes do BG Florianópolis e do Jornal ND acompanhavam a fiscalização no momento em que ao menos dez embarcações irregulares chegaram na ilha. Os barqueiros foram parados pela GMF, que os proibiu de entrar.
Apesar de alguns voltarem, a ordem foi ignorada pela maioria e dezenas de turistas desembarcaram no local, ultrapassando, ainda pela manhã, o limite de visitantes na Ilha do Campeche.
Ao menos dez embarcações desobedeceram a GMF e desembarcaram na Ilha do Campeche na sexta-feira (10) – Foto: GMF/Divulgação/ND
Segundo o comandante da Guarda Municipal, Andrey de Souza Vieira, diante da desobediência, cabe a GMF fazer com que os barqueiros irregulares assinem um Termo Circunstanciado e respondam judicialmente por desobediência.
No momento da afronta, os fiscais assistem barcos desembarcarem e turistas se instalarem na ilha, sem a devida estrutura para comportá-los.
“Viemos aqui para orientar, saber o que estava acontecendo, mas já deu para ver que o pessoal não respeita. Então, no sábado vai entrar somente quem é permitido”, se comprometeu o comandante na sexta-feira, quando as imagens foram feitas.
Maioria dos turistas não conhece regras e reclama quando chega em ilha superlotada
O presidente da Apaas explica que cada associação responsável por realizar o transporte para a Ilha do Campeche tem uma cota máxima de visitantes para levar.
“Já aconteceu de chegar e ter uma fila gigante com 800, 900 pessoas aguardando. E tínhamos apenas 480 entradas para vender, às vezes só 200, porque as outras entradas já tinham sido vendidas por agência. Então, 400 pessoas iam embora”, relata.
Natan fala que, após terem o transporte negado em função da cota atingida, os turistas buscavam opção online e encontravam outras ofertas de transporte.
“Só que 99% não sabe que é ilegal e chegam lá na ilha com esse transporte irregular. Eles vão fazer a trilha e não podem porque já está cheia. Vão fazer um mergulho e também não conseguem. Imagina uma pessoa vir da Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, chegar para fazer um mergulho na Ilha do Campeche e não conseguir. Ela fica triste, lógico.”
Vídeo evidencia mais um dia de superlotação na Ilha do Campeche – Vídeo: Divulgação/ND
Fiscalizar é uma responsabilidade de diferentes órgãos
De acordo com a vice-prefeita e secretária de Segurança Maryanne Mattos, é importante haver também o envolvimento de outras autoridades na fiscalização da Ilha do Campeche, não apenas da prefeitura.
A secretária explica que a situação esbarra em diferentes esferas, com prejuízo para as pessoas que compram os passeios e não conseguem desembarcar no destino.
“Não é apenas a prefeitura que está dentro desse TAC onde a Justiça diz para fiscalizar o acesso à Ilha do Campeche. Existem outros órgãos. Na questão do consumo do turista, também vou solicitar o apoio do Procon, tanto municipal, como estadual, para identificarmos as formas para as pessoas não serem lesadas”, afirma a vice-prefeita.
Como solicitar autorização para a Ilha do Campeche
A autorização para entrar na Ilha do Campeche é gratuita e será emitida pela página do site da prefeitura – Foto: Divulgação/Floripa Stand Up Paddle
Para solicitar a autorização, é preciso acessar a página da Ilha do Campeche no site da Prefeitura de Florianópolis, entrar no sistema e realizar o cadastro informando os dados pessoais.
Após o cadastro, os interessados devem selecionar a associação responsável pelo transporte, além de definir a data do embarque. Os ingressos podem ser apresentados digitalmente, diretamente pelo smartphone, ou em versão impressa.
Confira a matéria do Balanço Geral mostrando a chegada dos barcos na Ilha do Campeche